A proposta do PLP 108/2024, que integra o processo de regulamentação da reforma tributária inaugurada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, marca um novo momento na relação entre o Fisco e o contribuinte. Mais do que operacionalizar a governança do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), o texto traz um avanço estrutural ao sistematizar — e finalmente alinhar — os regimes de infrações e penalidades aplicáveis ao IBS e à CBS.
Essa mudança, que à primeira vista pode parecer apenas uma adequação legislativa, revela na prática uma inflexão importante: a substituição de um mosaico normativo obsoleto por uma abordagem mais racional, previsível e orientada à conformidade.
Um sistema unificado de sanções: o fim da fragmentação
Até o momento, as penalidades aplicáveis à CBS estavam ancoradas na antiga Lei nº 9.430/1996 — norma pensada para um contexto completamente distinto. Já o IBS contava com um esboço de sanções no antigo PLP 108/2024.
O a nova versão do PLP 108 corrige essa assimetria. Ao trazer para a própria LC 214/2025 o regime de penalidades para ambos os tributos, o projeto estabelece um microssistema sancionatório coerente, baseado em condutas bem definidas, sanções proporcionais e critérios objetivos. Essa mudança tem implicações diretas na segurança jurídica dos contribuintes, mas também na própria capacidade do Estado em fazer valer as novas regras fiscais com legitimidade e clareza.
O ponto central que deve ser compreendido é: IBS e CBS são tributos distintos apenas para os entes federativos — para o contribuinte, devem ser tratados como um sistema único. A separação entre os dois impostos diz respeito à arrecadação e à repartição de receitas entre União, Estados e Municípios, e não à sua operacionalização pelo setor privado.
Insistir em tratá-los como regimes paralelos e desconectados é reproduzir o mesmo ambiente de insegurança jurídica que hoje enfrentamos, com obrigações acessórias fragmentadas, materialidades divergentes e sanções incoerentes.
Ao unificar as penalidades em um único corpo normativo — dentro da LC 214 — o PLP 108/2024 fortalece a previsibilidade, a isonomia e a gestão de riscos fiscais. Essa padronização é um passo importante para permitir que empresas se adequem com segurança ao novo sistema tributário, sem ficarem reféns de interpretações conflitantes ou tratamentos desiguais por parte dos diversos fiscos.
Penalidades objetivas e proporcionais: a entrada em cena da UPF
Outro avanço da proposta está na introdução da Unidade Padrão Fiscal (UPF) como indexador das multas — uma inovação que substitui a vinculação direta entre valor da operação e montante da sanção.
Ao abandonar a lógica subjetiva e regressiva de penalidades atreladas à operação, o sistema passa a operar com valores fixos, atualizados pelo IPCA. Isso reduz distorções, facilita o planejamento tributário e aproxima a experiência brasileira de modelos mais maduros de compliance fiscal.
Cancelamento de notas fiscais e novas responsabilidades acessórias
Dentre os diversos tipos de infração tratados, merece atenção especial o rigor aplicado ao cancelamento indevido de documentos fiscais. O texto tipifica claramente duas hipóteses puníveis:
- Cancelamento após o fato gerador: multa de 66% sobre o valor do tributo de referência;
- Cancelamento fora do prazo legal: multa de 33%.
Essa objetividade, embora bem-vinda, exigirá uma revisão profunda nas rotinas fiscais das empresas. Cancelar uma NF será, a partir da nova legislação, uma ação que deve ser tomada com extrema cautela e registro documental. A transformação vai além da sanção: trata-se da responsabilização concreta sobre a rastreabilidade fiscal das operações.
Fraude, simulação e conluio: o que era subjetivo, agora tem definição legal
Embora os conceitos de sonegação, fraude e conluio já estejam positivados na legislação brasileira desde a Lei nº 4.502/1964, o PLP 108/2024 reforça sua aplicação no novo sistema tributário ao incorporá-los diretamente no regime sancionatório da LC 214/2025, conferindo-lhes função normativa específica dentro do contexto do IBS e da CBS.
O texto classifica de forma expressa e didática:
- Fraude como a alteração dolosa das características do fato gerador;
- Simulação com base no art. 167 do Código Civil, como criação fictícia de operações;
- Conluio como ajuste fraudulento entre partes para ocultar ou modificar obrigações tributárias;
- Sonegação como a omissão deliberada de fatos relevantes à apuração do tributo.
Além da clareza conceitual, o PLP prevê penalidades agravadas — com multas que podem chegar a 150% em caso de dolo e reincidência.
Essa escolha legislativa confere segurança jurídica tanto ao Fisco quanto ao contribuinte, ao limitar interpretações subjetivas e garantir que condutas graves sejam apuradas com base em tipificações claras e previamente estabelecidas.
Fintechs e instituições financeiras na linha de frente do compliance
O PLP também avança ao atribuir responsabilidade direta às instituições financeiras e operadores de sistemas de pagamento, especialmente no contexto do split payment. O artigo 471-D introduz multas específicas para falhas na segregação dos valores de IBS e CBS, atraso na comunicação e recolhimento incorreto.
Essa inclusão altera a lógica do sistema arrecadatório. Bancos, fintechs e plataformas digitais deixam de ser apenas veículos transacionais e passam a assumir o papel de agentes auxiliares da fiscalização, com obrigações claras e passíveis de sanção.
O estímulo à regularidade: a lógica do compliance premiado
Em sintonia com o movimento internacional de valorização da autorregularização, o texto propõe a criação do Programa Nacional de Conformidade Tributária (PNCT). Trata-se de um mecanismo que oferece incentivos — como redução de multas e priorização de análises — para contribuintes com histórico de boa conduta fiscal.
Essa abordagem faz do sistema sancionatório um instrumento de indução positiva à conformidade, e não apenas de punição. Reforça-se o papel do planejamento tributário, da gestão documental e do investimento em tecnologia como ferramentas essenciais à sobrevivência no novo cenário.
Conclusão: penalidades como sinal de maturidade institucional
O PLP 108/2024 sinaliza que o novo sistema tributário brasileiro pretende ir além da simplificação de alíquotas ou do redesenho da base de cálculo. A proposta propõe uma reformulação institucional profunda, baseada em previsibilidade, isonomia e coerência normativa.
Ao consolidar as penalidades em um único diploma legal, definir com precisão as condutas infracionais e envolver novos atores — como instituições financeiras e operadores digitais — no ciclo de fiscalização, o projeto confere robustez técnica e segurança jurídica ao modelo fiscal do futuro.
Para os contribuintes, a mensagem é inequívoca: a reforma não se limitará a mudanças operacionais. Ela exigirá uma nova postura — proativa, estratégica e permanentemente comprometida com a conformidade. O tempo da improvisação tributária está, enfim, com os dias contados.
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