“A Reforma Tributária não é apenas uma mudança fiscal. É uma mudança de paradigma. E como toda grande transformação, precisa ser liderada de cima.”
A esta altura, já não é mais possível ignorar: a Reforma Tributária deixou de ser uma promessa distante e tornou-se realidade concreta. A Emenda Constitucional nº 132/2023 está em vigor. O novo sistema — com o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), o Imposto Seletivo e o Comitê Gestor do IBS — está em construção acelerada. O impacto para as empresas é profundo, transversal e duradouro. E é exatamente por isso que este tema deixou de ser “do fiscal” e passou a ser coisa de CEO.
A Reforma como projeto empresarial, não apenas tributário
Mais do que novos tributos, a Reforma estabelece um novo modo de operar. E para as empresas, isso significa revisão de processos, estruturas e prioridades.
O fluxo de caixa vai mudar
Atualmente, muitas empresas operam utilizando o imposto como uma espécie de “pulmão financeiro”, em razão de prazos de pagamento, regimes especiais ou acúmulo de créditos. Com a adoção do split de arrecadação, o recolhimento dos tributos será automático, vinculado ao pagamento da operação. Isso compromete parte da entrada financeira e exigirá uma nova gestão de capital de giro.
Além disso, o custo de aquisição de determinados itens — especialmente serviços, locações, aluguéis, arrendamentos, cessões de direitos e outros insumos que hoje têm carga tributária reduzida ou inexistente — tende a aumentar. No novo modelo, esses fornecimentos passarão a ser amplamente tributados pelo IBS e pela CBS, gerando um impacto imediato no desembolso da empresa. Ainda que seja possível a apropriação de crédito posteriormente, o pagamento ocorrerá no momento da aquisição, o que desloca o desembolso tributário para etapas anteriores do ciclo operacional, pressionando o fluxo de caixa e exigindo novo planejamento financeiro.
Pagamento Fracionado: o Split como Instrumento de Controle
Uma das inovações operacionais previstas na regulamentação da Reforma é o uso do split payment, ou pagamento dividido. Trata-se de um mecanismo em que, em vez de o valor total da operação ser transferido integralmente à conta do comerciante ou prestador, a parcela correspondente ao tributo é retida na origem e direcionada diretamente ao ente arrecadador.
Essa lógica se inspira no que já ocorre nos arranjos de pagamento com cartões, onde o valor da transação é automaticamente fracionado entre credenciador, banco, bandeira e lojista. Aplicado aos tributos, isso permitirá que, em transações realizadas por meio de meios eletrônicos, a parcela de IBS ou CBS seja separada no ato do pagamento.
O objetivo é reduzir inadimplência e aumentar a eficiência na arrecadação. Para as empresas, porém, isso representa uma mudança relevante na gestão do caixa, pois a quantia líquida recebida já virá deduzida dos tributos.
É uma quebra de paradigma: a empresa não gerencia mais 100% do valor bruto da venda, mas apenas o que sobra após a retenção fiscal. Isso exige revisão de sistemas, conciliação bancária automatizada, adaptação de ERPs e replanejamento do fluxo de caixa.
A gestão de créditos será mais rigorosa
A apuração do IBS e da CBS será não cumulativa, com direito a crédito amplo. Porém, o crédito só será permitido se atender critérios rígidos de lastro, documentação e rastreabilidade. Isso exigirá revisão de cadastros, automação fiscal robusta, consistência nos documentos e integração com fornecedores. O que hoje é tratado de forma reativa, passará a exigir governança ativa e preventiva.
Uma nova governança para um novo sistema
Cada decisão operacional passa a ter reflexo tributário direto. A extinção de regimes especiais e benefícios setoriais, a imposição de uma legislação nacional uniforme e o princípio da neutralidade implicam que a empresa precisará operar com muito mais consistência tributária.
A Reforma deve ser tratada como um projeto de transformação empresarial, com apoio direto da alta liderança. Não se trata apenas de “implementar uma nova regra fiscal”, mas de reorganizar a empresa para competir em um novo ambiente.
Na prática, isso significa:
- Criação de uma governança de projeto com liderança executiva (PMO específico)
- Mapeamento e reestruturação das cadeias de valor e canais de venda
- Diagnóstico de contratos, precificação e estrutura de custos
- Engajamento das áreas de tecnologia, fiscal, contabilidade, jurídico e suprimentos
- Revisão das políticas comerciais e de relacionamento com clientes e fornecedores
- Simulações tributárias e financeiras sob diferentes cenários operacionais:
– Avaliação de impactos na malha logística, com possível reconfiguração de centros de distribuição, fornecedores e clientes
– Revisão de planos de investimento e realocação de capital, com base na nova estrutura de carga e incentivos regionais
Negociação será palavra de ordem
Durante o período de transição (2026 a 2032), empresas conviverão com os dois sistemas: o atual e o novo. Essa sobreposição vai gerar situações complexas de acúmulo de créditos, impacto no preço final e aumento do custo efetivo.
Negociar será indispensável.
- Será necessário negociar cláusulas de repasse de crédito com clientes
- Rever contratos com margens fixas ou cláusulas de preço líquido
- Redefinir estruturas de compra e renegociar com fornecedores
- Redesenhar políticas comerciais com base no novo modelo de tributo no destino
A Reforma exigirá diálogo comercial constante, inteligência relacional e segurança técnica. Os líderes que dominarem esse processo estarão em posição privilegiada.
Competitividade, não apenas conformidade
A diferença entre as empresas não estará no cumprimento da lei, mas na forma como a utilizam estrategicamente.
Empresas que se anteciparem poderão:
- Reduzir a carga efetiva por meio de reorganizações legítimas
- Planejar melhor o uso de créditos na transição
- Negociar com mais assertividade com parceiros comerciais
- Evitar autuações em um sistema cada vez mais automatizado
- Influenciar a construção de regimes específicos e setoriais
A Reforma premiará quem planeja. E penalizará quem esperar.
Gestão de riscos: uma nova cultura para a transição
A convivência entre o sistema atual e o novo sistema, entre 2026 e 2032, exigirá uma abordagem estruturada de gestão de riscos tributários e operacionais. Essa transição é tecnicamente complexa e exige controle contínuo em múltiplas frentes.
É o momento de cultivar, dentro da organização, uma cultura de gestão de riscos aplicada à transição tributária. Algumas frentes de atenção imediata incluem:
- Monitoramento de regras específicas para o escoamento de créditos do ICMS, PIS e Cofins, com vistas a evitar perdas financeiras;
- Convivência entre normas estaduais do ICMS (em vigor) e normas unificadas do IBS, exigindo mapeamento preciso de obrigações, layouts e documentações;
- Risco de inconsistência na apuração durante a fase de dualidade tributária;
- Reclassificações fiscais, regimes específicos e mudanças nas regras de local da operação e cálculo do imposto, que podem gerar divergências entre expectativa e realidade fiscal;
- Novos modelos de fiscalização baseados em dados integrados, com foco em conformidade contínua e cruzamento em tempo real.
A redução progressiva dos incentivos fiscais estaduais e setoriais também exigirá atenção especial. Para muitos grupos, isso poderá representar impactos diretos na margem operacional, no valuation da empresa e na competitividade regional. Esse risco precisa ser antecipado e tratado com simulações realistas e diálogo com stakeholders.
A gestão de riscos não pode ser delegada apenas à equipe tributária. Trata-se de um componente essencial da estratégia empresarial durante a transição, que deve ser monitorado com a mesma prioridade de riscos financeiros ou operacionais.
Aqui uma matriz de riscos será essencial!
Gestão orçamentária: a Reforma tem custo
Implementar um novo sistema tributário não é uma adaptação burocrática — é um projeto complexo, com impacto orçamentário relevante. Exige investimento em tecnologia, consultoria, automação, revisão contratual, reestruturação de processos e capacitação de equipes.
Empresas que subestimarem esses custos tendem a comprometer a qualidade da transição e a eficiência no novo modelo. É essencial que o projeto da Reforma tenha linha orçamentária própria, com planejamento, cronograma e governança.
O CEO e a alta liderança precisam compreender que haverá fases distintas de alocação de recursos: diagnóstico, adequação de sistemas, redesenho de processos, capacitação contínua e manutenção. Sem isso, o risco de erros, passivos e prejuízos será elevado.
O papel do CEO
O CEO deve liderar esse processo com visão estratégica e pragmática. Algumas perguntas essenciais precisam ser feitas agora:
- Qual é o verdadeiro modelo de negócio da empresa? O CEO conhece profundamente como a empresa ganha e gasta dinheiro?
- Estamos preparados em termos de pessoas? A equipe está capacitada e engajada para esse novo cenário?
- Nossa tecnologia suporta a complexidade do novo sistema? Sistemas integrados, inteligência fiscal e dados de qualidade são pré-requisitos.
- Nosso orçamento contempla o investimento necessário? Projetos de compliance, automação e revisão contratual exigem recursos.
- Estamos usando o tempo a nosso favor? A hora de agir é agora. Esperar custará mais caro.
Um projeto em três frentes: pessoas, processos e sistemas
A implementação da Reforma deve ser planejada em três dimensões complementares e interdependentes:
- Pessoas: capacitação, engajamento, reestruturação de equipes e mudança de mentalidade.
- Processos: revisão e redesenho de fluxos operacionais, fiscais, comerciais e contratuais.
- Sistemas: integração de plataformas, automação fiscal, controle de dados e aderência normativa.
Não se trata de escolher por onde começar, mas de avançar nas três frentes com coerência, liderança e senso de urgência.
Conclusão
A Reforma Tributária é o maior projeto de transformação do ambiente de negócios brasileiro das últimas décadas. E é também o maior projeto interno das empresas nos próximos anos.
A liderança desse processo precisa estar no nível mais alto da organização. Esse novo sistema não é apenas uma mudança contábil: ele redefine critérios de localização, viabilidade de investimentos e sustentabilidade de operações regionais. O fim de benefícios fiscais, aliado ao princípio do destino e à padronização nacional, pode exigir a revisão da logística, da estrutura de produção e até da presença em determinados estados.
Se a sua empresa ainda está tratando esse assunto como uma responsabilidade exclusiva do setor fiscal, é hora de mudar. O mercado não vai esperar. E o novo sistema não perdoará a falta de preparo.
A Reforma é coisa de CEO. E ela já começou.