Exportação Indireta na Reforma Tributária: Da Imunidade à Exclusão Silenciosa?

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A exportação de bens e serviços ocupa posição central na estratégia econômica brasileira, sendo tradicionalmente desonerada de tributos para garantir competitividade internacional. Essa diretriz encontra respaldo direto na Constituição Federal, que veda a incidência de tributos como ICMS, IPI, PIS e COFINS sobre receitas de exportação.

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal reafirmou esse entendimento ao estender a imunidade tributária também às operações de exportação indireta, em que o produtor nacional vende bens a uma comercial exportadora com o fim específico de exportação.

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e a edição da Lei Complementar nº 214/2025, esse cenário passa por uma inflexão. Ainda que a exportação continue desonerada, a fruição do benefício fiscal foi condicionada a novos requisitos que restringem o acesso ao modelo de exportação indireta como conhecemos hoje.

Neste artigo, analisamos criticamente o novo regime de suspensão do IBS e da CBS aplicável às exportações indiretas, com especial atenção ao seu potencial de excluir, pela via administrativa, parte significativa dos agentes atualmente ativos no comércio exterior.

O Modelo Atual: Imunidade Constitucional e Acesso Amplo

Atualmente, o sistema tributário brasileiro assegura a imunidade tributária nas operações de exportação, tanto diretas quanto indiretas. Essa imunidade tem fundamento nos arts. 149, §2º, I (PIS e COFINS), 153, §3º, III (IPI) e 155, §2º, X, a (ICMS) da Constituição Federal, que proíbem a incidência de tributos sobre receitas ou mercadorias destinadas ao exterior.

No caso das exportações indiretas — em que uma empresa produtora nacional vende mercadorias a uma comercial exportadora para que estas sejam remetidas ao exterior — o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 759.244 (Tema 674), firmou o entendimento de que a imunidade também se aplica, desde que comprovado o vínculo direto com a operação de exportação.

Esse modelo consagra um princípio tributário essencial no comércio exterior: não se exporta tributo. Ou seja, toda a carga tributária incidente sobre as etapas internas deve ser eliminada ou neutralizada, garantindo que o produto brasileiro chegue ao mercado internacional livre de distorções fiscais.

A comercial exportadora, nesse contexto, atua como ponte legítima e estratégica entre o produtor nacional e o mercado externo. Trata-se de um instrumento amplamente utilizado por pequenos e médios produtores, cooperativas e setores do agronegócio, que muitas vezes não dispõem de estrutura própria para operar diretamente no comércio internacional.

Importante destacar que, no modelo atual, embora haja exigência de comprovação da exportação e vinculação documental, o benefício fiscal não está condicionado a certificações complexas nem a exigências patrimoniais ou de compliance sistêmico. Trata-se, portanto, de um modelo de acesso mais amplo e democrático, com respaldo constitucional e jurisprudencial.

O Novo Modelo: Suspensão Restrita e Burocratizada

A Lei Complementar nº 214/2025 introduz uma mudança estrutural no tratamento tributário das exportações indiretas. Em vez de manter o modelo de imunidade automática, com posterior comprovação da exportação, passa-se a adotar uma sistemática de suspensão do IBS e da CBS, que somente se converte em alíquota zero após a efetiva saída da mercadoria do território nacional.

Aparentemente, trata-se apenas de uma mudança operacional. No entanto, a aplicação da suspensão depende do cumprimento de exigências rigorosas por parte da empresa comercial exportadora. Entre os requisitos estabelecidos no art. 82, destacam-se:

  • Certificação como Operador Econômico Autorizado (OEA), concedida com anuência das administrações tributárias federal, estadual e municipal;
  • Patrimônio líquido mínimo de R$ 1 milhão, ou equivalente ao valor total dos tributos suspensos;
  • Adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico (DTE);
  • Escrituração contábil em meio digital;
  • Regularidade fiscal plena em todas as esferas;
  • Habilitação conjunta no Comitê Gestor do IBS e na Receita Federal.

Além disso, a empresa comercial exportadora passa a ser solidariamente responsável pelo recolhimento dos tributos suspensos, caso a exportação não ocorra em até 180 dias, ou haja desvio de finalidade, redestinação ao mercado interno, industrialização ou extravio dos bens. O ônus da prova e do controle é transferido integralmente à exportadora.

Na prática, essa estrutura normativa limita o acesso ao regime a empresas com robustez patrimonial, compliance tributário estruturado e capacidade de obter certificações complexas. Pequenas e médias comerciais exportadoras — frequentemente utilizadas por produtores rurais e industriais de menor porte — tendem a ser excluídas do novo modelo.

Essa mudança representa uma ruptura com o princípio segundo o qual não se exporta tributo, ao transformar a desoneração em um benefício condicionado a credenciamento estatal seletivo, cuja viabilidade dependerá, ainda, da regulamentação infralegal e da atuação conjunta de múltiplas administrações tributárias.

Riscos e Contradições para a Política de Comércio Exterior

A nova disciplina aplicável às exportações indiretas, embora justificada sob o argumento de reforçar o controle e prevenir fraudes, incorre em contradições relevantes com a política nacional de incentivo às exportações.

Ao condicionar a suspensão do IBS e da CBS a uma série de requisitos — muitos deles desconectados da realidade das cadeias produtivas exportadoras — a reforma cria obstáculos significativos ao acesso dos contribuintes ao benefício, com impacto direto sobre:

  • Pequenos e médios produtores, que historicamente dependem das comerciais exportadoras como canal de acesso ao mercado internacional;
  • Arranjos produtivos locais (APLs) e cooperativas agroindustriais, cujas operações são pulverizadas e exigem flexibilidade e agilidade nas transações;
  • Novas empresas exportadoras, que dificilmente terão capital suficiente ou tempo de operação para atender os critérios estabelecidos.

Ao invés de promover a universalização da desoneração às exportações — como preconiza o princípio da neutralidade tributária —, a reforma tende a consolidar um modelo de exclusão regulatória, em que apenas um grupo restrito de grandes operadores conseguirá cumprir os requisitos para usufruir da suspensão com posterior conversão em alíquota zero.

Além disso, o tratamento desigual entre a exportação direta (amplamente desonerada) e a exportação indireta (seletivamente beneficiada) pode resultar em concentração de mercado e redução da competitividade interna, contrariando os próprios fundamentos constitucionais que motivaram a reforma.

Sob a ótica constitucional, o novo regime pode ser questionado por representar uma restrição implícita à imunidade prevista na Constituição Federal, disfarçada sob a forma de uma suspensão altamente condicionada. Ao restringir a aplicação prática da desoneração a critérios operacionais e patrimoniais, o legislador infraconstitucional corre o risco de subverter a própria lógica da imunidade, criando uma forma de exclusão por via indireta.

Conclusão: Da Imunidade à Exclusão pela Via Administrativa

A reforma tributária, ao propor a substituição da imunidade constitucional por um regime de suspensão condicionado à certificação e ao cumprimento de requisitos formais, promove uma mudança de paradigma no tratamento das exportações indiretas. Embora mantenha a lógica de desoneração na operação final de exportação, o novo modelo eleva substancialmente o custo de conformidade e o risco fiscal para os operadores intermediários, em especial para as comerciais exportadoras.

Na prática, o que se observa é a transformação de um direito constitucional em um privilégio regulado. A imunidade ampla e objetiva, garantida a qualquer operação vinculada à exportação, dá lugar a uma suspensão seletiva, acessível apenas a empresas com estrutura, capital e capacidade de certificação compatíveis com os requisitos do Programa OEA e das demais exigências fiscais e operacionais.

Essa transformação representa um retrocesso jurídico e econômico, pois ameaça comprometer a capilaridade do sistema exportador brasileiro, enfraquecendo os instrumentos que hoje permitem a inserção internacional de pequenos e médios produtores — justamente os agentes que mais necessitam de suporte institucional.

A expectativa quanto à regulamentação infralegal é grande. A atuação conjunta do Comitê Gestor do IBS e da Receita Federal poderá, ou mitigar, ou agravar os efeitos excludentes da nova norma. Para preservar os objetivos constitucionais de estímulo às exportações e competitividade externa, será necessário desenhar mecanismos que reabilitem, ainda que com controles adequados, a possibilidade de suspensão ampla e acessível para as exportações indiretas.

Sem isso, o risco é claro: ao tentar modernizar o sistema, a reforma poderá ter como efeito colateral a exclusão silenciosa de parte significativa dos agentes do comércio exterior, justamente aqueles que sustentam a diversidade, a competitividade regional e a capacidade de inserção internacional da economia brasileira.

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Bruna Kanning

Advogada e consultora tributária com MBA em Gestão Tributária. Acompanha de perto todas as mudanças que a reforma tributária irá trazer para o Brasil.

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