O Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 representa uma etapa essencial no processo de implementação da Reforma Tributária do consumo no Brasil. Sua principal finalidade é instituir o Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e disciplinar as normas gerais e estruturais relativas ao próprio imposto, nos termos do artigo 156-B da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 132/2023.
No entanto, o projeto não se limita à regulamentação do IBS. O PLP 108 também propõe importantes alterações na recém-aprovada Lei Complementar nº 214/2025, com o objetivo de:
- Corrigir erros materiais e remissões imprecisas;
- Complementar e esclarecer dispositivos técnicos fundamentais, como aqueles que tratam de antecipações, créditos e devoluções;
- Preencher lacunas normativas, especialmente no que diz respeito às infrações e penalidades aplicáveis ao IBS e à CBS.
Segundo o parecer do relator, Senador Eduardo Braga, trata-se de um projeto instrumental e corretivo, que visa assegurar a efetiva operacionalização do novo modelo tributário, fortalecer a segurança jurídica e garantir a unidade federativa na aplicação das normas.
A seguir, destacamos os principais eixos de mudança promovidos pelo PLP nº 108/2024, com seus efeitos práticos mais relevantes.
Ao final, preparamos um resumo em excel, artigo por artigo.
1. Regulamentação do IBS nos termos da EC nº 132/2023
A Constituição, ao instituir o IBS como imposto de competência compartilhada entre Estados, DF e Municípios, determinou que sua instituição dependeria de uma lei complementar própria. O PLP 108/2024 cumpre exatamente esse papel, tratando de forma específica das normas gerais aplicáveis ao IBS, distintas daquelas previstas na LC nº 214/2025, que trata simultaneamente do IBS, CBS e Imposto Seletivo.
Entre os principais pontos regulamentados, destacam-se:
- Definição das regras de lançamento, arrecadação, fiscalização, cobrança e restituição do IBS;
- Critérios para fixação das alíquotas por cada ente federativo;
- Estabelecimento de regime de compensação e distribuição da receita entre os entes.
Impacto prático: garante o cumprimento do comando constitucional e oferece segurança jurídica aos contribuintes e entes subnacionais sobre a operacionalização do novo tributo.
2. Criação da estrutura definitiva do Comitê Gestor do IBS
Embora a LC nº 214/2025 tenha previsto a existência do Comitê Gestor do IBS, ela não estabeleceu a sua estrutura permanente. O PLP 108 preenche essa lacuna, criando formalmente o Comitê Gestor como entidade pública autônoma, dotada de:
- Personalidade jurídica de direito público;
- Sede em Brasília e atuação em todo o território nacional;
- Autonomia administrativa, técnica, financeira e orçamentária;
- Governança colegiada e paritária entre Estados, DF e Municípios;
- Estrutura funcional composta por Conselho Superior, Diretoria Executiva, Auditoria, Corregedoria e Secretaria-Geral.
Além disso, o Comitê deverá obedecer às normas da Lei de Responsabilidade Fiscal e prestar contas públicas com base em padrões contábeis aplicáveis à administração pública.
Impacto prático: estabelece uma base institucional sólida para a administração do IBS, assegurando neutralidade política, capacidade técnica e transparência na gestão dos recursos arrecadados.
3. Correções e complementações técnicas à LC nº 214/2025
O texto da LC nº 214, aprovado em prazo apertado, deixou diversas lacunas e problemas técnicos. O PLP 108 atua para corrigir e aprimorar esses dispositivos, promovendo ajustes redacionais, remissões corretas e complementações necessárias para a aplicação prática da norma.
Exemplos de alterações relevantes:
- Split payment e antecipações: modificação do artigo 10 para autorizar expressamente o adquirente a se creditar em operações com pagamento antecipado, e vedar a apropriação indevida pelo fornecedor em caso de cancelamento;
- Regras de devolução e estorno de crédito: uniformização com o artigo 38, evitando dupla apropriação de crédito em operações canceladas;
- Ajustes no local da operação (art. 11): especificações adicionais sobre fornecimentos continuados, operações com entes públicos e critérios de rateio de receita;
- Correções redacionais e de remissões: ajustes em dezenas de dispositivos para eliminar inconsistências e falhas de referência;
- Aproveitamento de saldos de ICMS/ISS na transição: regras mais claras sobre a utilização desses créditos em ambiente de convivência entre regimes.
Impacto prático: essas mudanças são fundamentais para garantir a correta aplicação do sistema, evitar litígios, assegurar coerência normativa e permitir o planejamento tributário adequado pelas empresas.
4. Criação de um Sistema Nacional de Infrações e Penalidades
Uma das omissões mais relevantes da LC nº 214 foi a ausência de um regime próprio e unificado de penalidades aplicáveis ao IBS e à CBS. O PLP 108 resolve essa lacuna ao introduzir os arts. 341-A a 341-H, que tratam de forma sistemática das infrações tributárias principais e acessórias, suas respectivas multas e critérios de aplicação.
Destaques do novo regime:
a) Infrações sobre a obrigação principal:
- Multa de 75% do valor do tributo não declarado ou crédito indevidamente apropriado;
- Multa de 100% ou 150% nos casos de dolo, fraude, simulação ou reincidência;
- Redução da multa para 50% se o contribuinte declarou corretamente, mas deixou de pagar;
- Possibilidade de redução de 20% a 60% conforme o momento do pagamento ou o perfil de conformidade do contribuinte (participação em programas de conformidade ou bons antecedentes fiscais).
b) Infrações acessórias:
- Penalidades fixadas em UPF (Unidade Padrão Fiscal dos Tributos sobre Bens e Serviços), estabelecida inicialmente em R$ 200;
- Aplicação para mais de 10 tipos de infrações formais (ex.: não inscrição no cadastro, não entrega de documentos, uso de software fraudulento, falta de confirmação de nota, entre outros);
- Multas específicas proporcionais ao tributo de referência em casos como operação sem nota, reutilização de documento fiscal, cancelamento indevido de nota fiscal, entre outros.
Impacto prático: a criação desse sistema de penalidades unificado traz segurança jurídica, isonomia entre os entes, proporcionalidade na aplicação das multas e mecanismos para estimular a regularização voluntária e o compliance tributário.
Conclusão
O PLP nº 108/2024 não é uma reabertura da Reforma Tributária, mas sim sua consolidação normativa. Ele regulamenta o IBS, estrutura o Comitê Gestor, corrige e aprimora dispositivos da LC nº 214/2025 e cria um regime moderno e proporcional de sanções tributárias.
Sua aprovação será determinante para a fase de transição entre o antigo e o novo modelo de tributação sobre o consumo, oferecendo aos contribuintes maior previsibilidade, aos entes federados mais segurança institucional e ao país um sistema mais funcional, transparente e harmônico.