Com a reforma tributária, buscamos a tão sonhada simplificação na apuração de tributos e na aplicação das normas tributárias. Para isso, elegemos um IVA Dual, composto por dois tributos que receberam o apelido carinhoso de “irmãos gêmeos”. Mas será que são de fato iguais?
Nos últimos dias, tenho acompanhado as reuniões do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados, cuja finalidade é discutir e debater a regulamentação disposta na Emenda Constitucional nº 132/2023.
Essas discussões são muito válidas para incrementar o debate e para analisar alguns pontos a fundo, visto que os novos tributos sobre o consumo serão regulamentados pela Lei Complementar.
Um dos pontos que mais nos chama a atenção é o disposto no Art. 149-B, o qual afirma que “ os tributos previstos nos arts. 156-A [ IBS ] e 195, V [ CBS ], observadas as mesmas regras em relação a: I – fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; II – imunidades; III – regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; IV – regras de não cumulatividade e de creditamento ”.
Analisando a legislação, vemos que se trata de tributos semelhantes, chamados de irmãos gêmeos, pois existem pouquíssimas diferenças entre eles, principalmente a distinção do sujeito ativo (ou seja, aquele que fará a cobrança do IBS e da CBS).
Esse é o ponto mais relevante da questão. O IBS e a CBS constituem um IVA Dual (não são exatamente um tributo sobre valor agregado, mas estão sendo tratados dessa forma, então, vamos seguir com essa nomenclatura). Na prática, deveria ser um tributo único, que teria parte de sua arrecadação destinada à União e parte aos estados e municípios.
Contudo, ainda são tributos distintos e serão implementados, fiscalizados e cobrados por órgãos diferentes. A CBS é uma contribuição de competência da União e o IBS um imposto sobre bens e serviços de competência conjunta entre estados e municípios.
Nesse sentido, quem faz as leis regulatórias da CBS (as normas instrumentais de implementação, fiscalização e cobrança) será a União, com a aplicação predominantemente pela Receita Federal do Brasil.
No entanto, quanto ao IBS, quem fará sua regulamentação, fiscalização e cobrança serão os estados e municípios, por meio do Comitê Gestor do IBS, através de um regulamento único, conforme o Art. 156-B, inciso I, da Constituição Federal. Além disso, a interpretação das normas relacionadas ao IBS unificada também será feita pelo Comitê Gestor, ou seja, não teremos mais uma diversidade de interpretações sobre um único tributo, como ocorre hoje com o ICMS, por exemplo.
Contudo, não sabemos o que pode acontecer com a interpretação dos entendimentos sobre a CBS e o IBS, pois, embora sejam tributos irmãos, com elementos da regra matriz de incidência tributária iguais, eles não são idênticos, uma vez que quem formará a interpretação sobre um e sobre o outro são órgãos distintos.
Não se desconhece que o §8º do já citado Art. 156-B da Constituição prevê a possibilidade de uma Lei Complementar estabelecer interações de interação entre o contencioso administrativo relativo ao IBS e ao CBS. Entretanto, isso não significa que a interpretação sobre um e sobre o outro seja igual, visto que cada ente da federação tem autonomia para regulamentares, fiscalizar e cobrar os tributos de sua competência.
Logo, poderemos, em tese, ter interpretações diversas para dois tributos que possuem as mesmas regras constitucionais. Esse foi um dos pontos de discussão de uma das reuniões dos Grupos de Trabalho da Câmara, onde se levantou a possibilidade de interpretações distintas para o IBS e a CBS, com a justificativa de que nossos novos tributos sobre o consumo são um IVA Dual.
A preocupação de muitos especialistas é que, se isso ocorrer na prática, a vida dos pagamentos continuará caótica. Atualmente, já vivemos em um caos tributário onde tudo acaba no judiciário. Temos infinitas discussões sobre PIS e COFINS e sobre o ICMS, onde nem tudo o que dá crédito de PIS e COFINS dá crédito de ICMS, existindo critérios semelhantes, mas não iguais.
Portanto, a esperança é que, com a reforma tributária, possamos alcançar uma maior simplificação e harmonização na interpretação e aplicação dos tributos sobre consumo. Porém, a existência de diferentes órgãos responsáveis pela regulamentação e fiscalização do IBS e da CBS pode, na prática, manter a complexidade e a insegurança jurídica que enfrentamos atualmente.
O principal benefício da reforma é a simplificação, mas existem pontos que podem gerar problemas na sua execução. O Brasil é um país federativo, ou seja, cada unidade da federação é dotada de autonomia financeira, legislativa e administrativa. É natural que o Comitê Gestor tenha autonomia para definir as interpretações para o IBS, haja vista que ele é composto por representantes dos estados e municípios.
Assim, o que o poder legislativo precisa buscar são mecanismos que fomentem a unicidade nas interpretações do IBS e da CBS, para que a Receita Federal (e o CARF) trabalhem em conjunto com o Comitê Gestor na formação das interpretações. O IBS e a CBS são tributos irmãos gêmeos, mas acredito que fraternos, pois não são idênticos. Existem algumas diferenças, mas a uniformização de sua interpretação é necessária para que a reforma tributária cumpra seu papel.
O mundo ideal (que nem sempre é possível) é aquele em que o IBS e a CBS têm uma única interpretação, uma única fiscalização e uma única cobrança, como se fosse um único tributo. Sabemos das dificuldades e critérios constitucionais que dificultam esse cenário. Por isso, as empresas precisarão se preparar com muito conhecimento e estratégia para o que está por vir. Teremos mudanças profundas nos modelos de negócios existentes no Brasil, e o planejamento será o diferencial das empresas com maior sucesso nos próximos anos.
Sendo assim, agora vamos trabalhar para desenhar o melhor cenário para as empresas a partir de 2026, cuidando sempre do que está sendo definido pelo Congresso e implementado pela RFB e pelo Comitê Gestor. Essa preparação inclui uma análise detalhada das novas regulamentações, a adaptação dos sistemas de contabilidade e gestão tributária e o treinamento contínuo das equipes envolvidas.
A reforma tributária, com a implementação do IBS e da CBS, promete trazer um sistema mais eficiente e justo. No entanto, uma transição requer uma atenção especial aos detalhes e um acompanhamento rigoroso das mudanças legislativas. Só assim poderemos alcançar um ambiente tributário que realmente promova o desenvolvimento econômico e a competitividade das empresas brasileiras.