Depois de mais de 300 páginas e 499 artigos, a pergunta que não quer calar é: será mesmo que a reforma tributária será de fato mais simples? Com a divulgação do primeiro projeto de Lei Complementar, podemos entender melhor como será o nosso novo sistema tributário sobre o consumo.
A Emenda Constitucional nº 132/2023 trouxe para nós novos tributos, novas formas de cálculo, novos incentivos e novos critérios de destinação de recursos, entre outras regras que compõem a reforma tributária. Todavia, o principal ponto comentado quando divulgada a Emenda Constitucional é a quantidade de menções às Leis Complementares que regulamentariam a matéria.
Agora, com a divulgação do primeiro projeto de Lei Complementar que trata do IBS, da CBS e do Imposto Seletivo, será possível diagnosticar (até certo ponto) o grau de complexidade do nosso novo sistema tributário sobre o consumo.
Nesse sentido, uma frase que combina muito com o momento em que estamos vivendo é a seguinte: “antes de ficar bom, vai ficar ruim” (acrescentaria o “muito ruim”).
Hoje, nosso sistema tributário sobre o consumo é extremamente complexo. Apenas quem já apurou ICMS ST junto com uma redução de base de cálculo sabe do que estou falando. São horas para formar uma planilha simples para apurar esse tributo (muita gente confia em sistemas, nem sempre eles acertam). No entanto, com a reforma tributária, não teremos mais esses fatores complicadores; as dificuldades serão outras.
A partir do Projeto de Lei Complementar divulgado, já sabemos que teremos outras figuras que ganharão espaço nas rotinas fiscais das empresas, como, por exemplo, a mudança da forma de recolhimento dos tributos (Split Payment), com o pagamento do IBS e da CBS no momento da liquidação financeira (ou seja, quando realizado o pagamento do valor para o fornecedor).
Outra importante hipótese de mudança dos procedimentos será a responsabilidade das plataformas de pagamento digitais na segregação entre o valor líquido devido ao fornecedor e o valor dos tributos devidos na operação. Esse ponto será inovador para o Brasil, pois hoje quem calcula e recolhe o tributo é quem está vendendo. Agora, caberá ao adquirente e/ou às instituições financeiras o recolhimento desse imposto.
Podemos citar também a tributação de tudo o que caracteriza consumo. Atualmente, direitos não são tributados; teremos uma base ampla de tributação do IBS e da CBS, o que pode confundir um pouco a cabeça de quem fará a operacionalização das novas regras dentro das empresas.
Além disso, a Lei Complementar, nos termos do definido pela Constituição, prevê a possibilidade da existência de um único documento fiscal, com a redução significativa das obrigações acessórias, verdadeiro terror de muitas empresas. Isso significa que nosso sistema tributário será integralmente digital, ou seja, necessitaremos dominar a tecnologia para que a simplificação seja de fato efetiva.
Com a digitalização do sistema, as fiscalizações se tornarão ágeis e descomplicadas, permitindo descobrir com apenas um clique, através do cruzamento de dados, se o contribuinte está em conformidade ou cometendo alguma irregularidade.
É inegável que a apuração dos tributos se tornará mais simples. O cálculo do IBS e da CBS por fora simplificará significativamente a determinação do tributo e do crédito a ele relacionado. Esse novo método será particularmente benéfico para a formação de preços e margens de lucro, pois o imposto deixará de ser um entrave.
A cereja do bolo dessa reforma, na opinião de muitos, é a criação do Comitê Gestor. Atualmente, lidamos com mais de 27 regulamentos de ICMS, além de uma enxurrada de normas fiscais e boletins informativos, tudo isso para a apuração de um único imposto. Com o advento do Comitê Gestor, teremos um único conjunto de regulamentos, uma interpretação unificada e, se tudo correr como planejado, uma gestão tributária eficiente. Nesse novo cenário, o contribuinte pagará o IBS para um único órgão, que se encarregará de distribuir os recursos aos estados e municípios pertinentes.
A criação do Comitê Gestor é uma das inovações da reforma que contribui para a simplificação. A organização dessa instituição terá um papel crucial na operacionalização do IBS, sendo imperativo que o Comitê Gestor e a Receita Federal tenham entendimentos muito semelhantes, até mesmo idênticos, uma vez que o IBS e a CBS são tributos irmãos.
Inclusive, o projeto de Lei Complementar do IBS e da CBS apresentado pelo governo prevê especificamente a atuação conjunta entre as duas entidades, com a criação de uma plataforma unificada e o compartilhamento de dados entre elas.
No entanto, a reforma trará um impacto complicado para as empresas que usufruem de benefícios fiscais do ICMS, com a extinção desses incentivos até 2032. A EC 132 trouxe regimes beneficiados com alíquota reduzida em até 100% para alguns setores, porém, esses regimes serão implementados em nível nacional, permitindo que as empresas que se beneficiam dessas vantagens se instalem em qualquer estado do país.
Isso significa que teremos um longo caminho de planejamento logístico ligado à reformulação de muitos modelos de negócios. Se hoje você vende seu produto por um valor, considerando os incentivos fiscais, essa formulação de preço passará por ajustes iniciando em 2026, pois o IBS e a CBS serão calculados por fora e, como já mencionado, o fornecedor receberá o preço líquido pela venda de suas mercadorias.
Outro ponto muito relevante é a necessidade de planejar a extinção do ICMS, PIS, COFINS e IPI. A mudança dos tributos pode deixar resíduos, especialmente os créditos tributários, que as empresas precisarão gerenciar antes de 2032, para não perderem dinheiro.
As empresas precisarão modificar a cultura tributária dentro de seus negócios. O departamento de compras demandará mais conhecimento tributário, assim como o de vendas. Os gestores financeiros precisarão conhecer melhor o fluxo de caixa de suas empresas. A margem de lucro deverá ser ajustada sem considerar os tributos, e a logística será realizada de acordo com a localização real da empresa, sem considerar mudanças por tributação favorecida.
Todas as adequações necessárias gerarão um verdadeiro caos nas empresas, com a implementação de novos sistemas tecnológicos, que serão extremamente necessários, especialmente no período de transição, já que teremos os dois modelos convivendo juntos, além da mudança de cultura.
No entanto, após 2032, se tudo correr bem, teremos de fato regras tributárias mais simples que as atuais. Podem não ser as mais simples possíveis, considerando a infinidade de exceções existentes, mas será mais fácil de se trabalhar com elas.
Sendo assim, embora o novo sistema que está sendo desenhado não seja o ideal, ele é mais simples que o atual e poderá trazer um pouco de organização para os profissionais que atuam nas áreas fiscal, contábil e tributária das empresas, bem como facilitará a fiscalização dos fiscos. No entanto, tudo dependerá da modificação de uma cultura tributária enraizada dentro de muitos profissionais e empresários.