O mundo evoluiu e, com ele, a forma de fazer negócios. Contudo, como é habitual no Brasil, o pagamento de tributos frequentemente fica em segundo plano para os empresários, e no mercado digital, essa questão se tornou ainda mais preocupante. A reforma tributária certamente terá um impacto significativo neste setor, que tem crescido consideravelmente nos últimos dias.
Recentemente, ao trabalhar em alguns planejamentos tributários para infoprodutores, visando adequar as empresas às normas fiscais, constatou-se que esse setor não compreende plenamente o impacto dos impostos em suas operações.
Observam-se diversas inconsistências, como a prática de classificar tudo o que é produzido como e-book para economizar tributos, o que constitui uma falha grave e pode resultar em penalidades severas, incluindo multas qualificadas de até 150% sobre o valor do tributo devido, além de outros encargos.
No entanto, a reforma tributária irá alterar significativamente a dinâmica de diversas empresas que atuam no mercado digital. Além do aumento substancial da carga tributária, novas regras para o pagamento de tributos (IBS e CBS) serão implementadas, não permitindo mais planejamentos tributários sem respaldo legal.
Atualmente, um infoprodutor, que está no lucro presumido (via de regra, é o regime mais vantajoso para os prestadores de serviço), paga 3,65% de PIS e COFINS e 5% de ISS (normalmente aplicados sobre a grande maioria dos infoprodutos). Com a reforma, a carga tributária para este setor aumentará para 26,5% (17,7% de IBS e 8,8% de CBS), representando um acréscimo de 17,85%.
Entretanto, pode-se argumentar que a imunidade para livros (incluindo livros digitais) permanecerá, conforme o Art. 150, inciso VI, alínea “d” permanece inalterado. Isso não impediria os infoprodutores de classificar seus produtos como livros (e-books) e continuar recolhendo apenas a CBS.
Contudo, o novo sistema trazido pela reforma tributária é mais sofisticado, especialmente adaptado para o mundo digital, em conformidade com exigências internacionais.
Assim, será bastante desafiador manter esse tipo de planejamento, uma vez que surgirá uma nova figura, o split payment, que alterará a entidade responsável pelo recolhimento dos impostos, como já explorado de forma geral em um artigo anterior.
De acordo com o Projeto de Lei Complementar nº 68 de 2024, o recolhimento do IBS e da CBS nas operações de venda de mercadorias e na prestação de serviços será realizado pela operadora do serviço de pagamento (conforme Art. 50 do PLP nº 68/2024).
Atualmente, o próprio contribuinte (seja do mercado digital ou não) realiza a apuração dos tributos e efetua o pagamento. Posteriormente, em um prazo de até 5 anos, a autoridade fiscal analisa se o pagamento foi feito corretamente, em um processo denominado homologação. O contribuinte realiza a apuração e o pagamento (normalmente no mês subsequente à ocorrência da operação), e então o fisco homologa.
Após 2026, o IBS e a CBS serão apurados pelo contribuinte (vendedor ou produtor digital), mas quem fará o recolhimento dos tributos será a instituição que administra o pagamento da operação. Ou seja, quando o consumidor pagar pelo serviço ou produto adquirido no mercado digital, a intermediadora realizará o recolhimento dos tributos, repassando o valor líquido da operação.
Até este ponto, seria possível que o produtor digital continuasse classificando seu produto como e-book e evitasse o pagamento do IBS. Isso se baseia no §1º do Art. 51, do PLP nº 68/2024, que determina que o sujeito passivo (produtor digital) é responsável por informar ao prestador de serviço de pagamento o valor a ser recolhido referente ao IBS e à CBS.
Contudo, o §5º do mesmo artigo citado anteriormente traz uma importante orientação que pode ser implementada pelo Comitê Gestor e pela RFB, encerrando assim planejamentos tributários envolvendo e-books. Esse parágrafo dispõe que “o regulamento poderá determinar que o prestador de serviço de pagamento consulte o Comitê Gestor do IBS e a RFB” para saber qual valor deverá ser recolhido de tributo.
Dessa forma, teremos uma fiscalização imediata da operação, onde a prática de classificar determinada operação como e-book pode ser facilmente avaliada e desconsiderada, com a cobrança dos tributos no momento da liquidação financeira, ou seja, quando o consumidor paga ao produtor digital.
Isso significa que, se o produtor digital não incluir o valor do tributo em seu preço final de venda, o valor líquido a ser repassado para o infoprodutor será menor, impactando integralmente sua operação.
Atualmente, o mercado digital movimenta milhões, com empresas faturando seis dígitos por mês. Se a tributação não for considerada corretamente, o impacto será imediato com a reforma.
Considerando as peculiaridades do mercado digital, desde já é necessária uma adequação tributária e contábil dos infoprodutores, pois já é um mercado visado para fiscalizações, mas que infelizmente negligencia muito a questão tributária.
Com a reforma, a necessidade de adequação e planejamento será ainda maior, pois as fiscalizações ocorrerão em tempo real, com o auxílio das administradoras de pagamento (como Hotmart, Kiwify, Eduzz).
Além disso, o PLP traz uma nova modalidade simplificada de recolhimento do IBS e da CBS, aplicável as operações que não gerem direito de crédito para os adquirentes, que pode ser vantajosa para o mercado digital, simplificando ainda mais o processo e agilizando a liberação de recursos para o produtor (conforme §8º do Art. 51 do PLP nº 68/2024).
No entanto, para que seja possível a aplicação dessa sistemática, o infoprodutor precisa estar em conformidade com a legislação, classificando corretamente seus produtos ou serviços.
Cumpre ressaltar que não é vedado classificar determinado produto como e-book, mas é necessário verificar se esse produto realmente corresponde a um e-book. Nem todo PDF entregue ao adquirente de determinado produto ou serviço é um e-book, e é aí que muitos infoprodutores erram.
Independentemente de gostarmos ou não da reforma tributária, ela vai mudar muito a vida das empresas em todo o Brasil. Vai modificar modelos de negócios e pode acabar com algumas empresas que não se adequarem. No entanto, se todas as engrenagens funcionarem adequadamente conforme o projeto, ela poderá trazer de fato uma simplificação.
Sendo assim, especialmente para o mercado digital, teremos muitas repercussões, com o aumento da carga tributária e a mudança na forma de recolhimento dos tributos.